O início da Peralba

O inicio (2003-2005)

2003!!! De retorno dos EUA, decidimos investir em uma fazenda na Bahia que respeitasse cinco características básicas:
Ecologicamente correta: muita mata, muito verde, muita água…
primitiva, mas idílica, …
de fácil acesso…
a não mais de 100 km de Salvador e…
BONITA!!!

Procuramos em todos os lugares, norte, sul e oeste (a leste tem o oceano…) de Salvador. Olhamos entre 60 a 70 fazendas e nenhuma refletia as características que estabelecíamos.

Foi frustrante…, mas dois anos depois, no final de
2004!!! Achamos a primeira fazenda que refletia as nossas prioridades: a Jambeiro. Composta por um conglomerado de cinco fazendas e medindo em torno de 750 hectares, essa área estava ‘abandonada’ pelo proprietário há quase 15 anos!

E dentro dela descobrimos riachos perenes, lagoas, planícies, matas luxuriosas, e tudo com vistas deslumbrantes do alto dos primeiros morros da plataforma continental. Do primeiro morro, onde imediatamente planejávamos construir a casa sede, podem ser vistos: Salvador, Morro de São Paulo, os grandes rios Da Dona e Jaguaripe e a imensidade do oceano aos nossos pés!

E ao seu redor, inúmeras outras fazendas, também ‘abandonadas’ pelos seus proprietários, pois a cana e a tapioca mal recompensavam qualquer esforço em culturas, eminentemente, de sustentação. E mata por todos os lados, mata primária com colônias de jacarandás e sucupiras e mognos… e até um rio perene, o Tirirí, com rápidas três cachoeiras enormes de 30/40 metros de largura, e outras escondidas de 50 metros de altura!!!… e tudo isso bem dentro da mata Atlântica, embaixo de árvores imensas, numa paisagem absolutamente bucólica e pristina.

Foi instantâneo: assumimos o papel de protetores desse pedaço de paraíso!

Percorremos todas as trilhas dentro da floresta. Existem ainda vestígios de onde as tropas de burros carregavam fornecimentos para o interior e voltavam com ouro ou madeira ou cana. Inúmeras fazendas de cana constelam os arredores da mata, quase todas com senzalas e recintos: inúmeras trilhas ligam caminhos de escravos com a Mãe Bernarda, uma escrava livre que se tornou uma vidente e curandeira notória na área. Existem também os vestígios de sua casa, num lugar protegido da mata, perto do riacho Sucupira, a menos de 500 metros da casa do coronel da região.

Hoje, a mata que encontramos está se recuperando totalmente: ninguém mais caçou, pescou ou cortou uma árvore. Um segurança assegurou que isso não acontecesse e ainda está rodando as matas, a cada semana, para garantir que ninguém quebre as regras que impomos: a mata é para ser preservada a qualquer custo.

Aí adquirimos tudo que pudemos de mata.

2005!!! Ficamos com quase 2.000 hectares!!
E aí está: desde aqueles anos a mata se recuperou, animais voltaram, peixes e siris repovoaram o Tirirí e hoje essa é a joia da nossa fazenda: um pedaço de Mata Atlântica original.

Entretanto, as fazendas que adquirimos não tinham somente mata; as suas margens eram consteladas de áreas abertas usadas, principalmente, para cultivos de subsistência e evacuadas dos seus proprietários originais.

Quase 700 hectares dessas terras teriam ficado abandonados, agora por nós, se não fôssemos capazes de dar um destino racional e válido a essas áreas. E, se deixadas sem nada, a falta de presença poderia instigar possíveis invasões ou, no mínimo, estariam sendo usadas como base para baderneiros entrarem nas matas e caçar, pescar ou cortar madeira.

Tínhamos que dar um rumo a essas terras! O lugar é magnifico, mas tem custos e a nossa energia nos empurrou. Nos reinventamos através de novo projeto empolgante! Um novo projeto para uma nova vida!

Mas um passo de cada vez: quais culturas são viáveis nessa parte do mundo? O que fazer primeiro? Como ocupar, racionalmente, todo esse mundo de terra e mata e rios e mangues e céu??!!!
Fomos confrontados com uma pergunta de origem pré-histórica: como se come um elefante? DEVAGAR!
E assim iniciamos a pensar… e pensar… e como bons marinheiros de primeira viagem, batemos cabeças a cada volta, entramos em frias horríveis, matamos dragões diariamente…, mas estávamos aprendendo.
Inicialmente exploramos o território da região. Encontramos inúmeras culturas, desde o cravo-da-índia aos tomates, de bananas a abacaxis, de fumo a laranjas, muitas laranjas, muitas frutas cítricas e também muitos pastos populosos de vacas brancas agressivas (da raça nelore, famosas pelas carreiras improvisas).
Depois falamos com inúmeros fazendeiros, pesquisamos em livros, revistas, discutimos com pesquisadores na EMBRAPA os prós e os contras de cada produto, produtividades, preços históricos, mercados; sentamos noites a dentro com o nosso guru, Paulinho, agrônomo de fama nacional… por meses.
E modelamos cada cultura que parecia ser interessante, aprofundando-nos nas questões econômicas, de mercado, dos custos e dos investimentos.

Foi um período desestruturado, confuso, pleno de dúvidas, arrependimentos e medos. Mas continuamos apegados ao sonho inicial de nos inventarmos em novas vidas e novos horizontes.
Uma atividade inicial que nos deu satisfação imediata foi a de instalar uma horta. Sem eletricidade na casa sede, os dias iniciavam às 6 horas e acabavam às 6 horas… da tarde.

Ao longo dos dias e das semanas desse período inicial, o tempo era usado em corridas de cá para lá, investigando áreas utilizáveis, estabelecendo os limites da Peralba com outros proprietários confrontantes, cercando os futuros campos de pecuária com arame farpado, informando os caçadores, que por anos visitavam a floresta para matar os poucos animais que aí restaram (e convence-los com ternura e carinho em parar de imediato tal esporte), pedindo aos vizinhos (sempre com carinho e ternura) a suspender o corte de árvores da nossa mata para fazer (e até vender) estacas, invocando os fulmines do IBAMA (e do nosso mensageiro, o famoso Raimundo) caso alguém se atrevesse a quebrar as novas regras.
Demorou, mas fomos convincentes.

E à medida que tomamos conta do território, imaginamos campos cultivados de tudo que a nossa fantasia fosse capaz de produzir… para depois discutir e modelar no computador todas essas informações para avaliar a viabilidade de cada cultura hipotética; a pergunta à qual tínhamos que dar uma resposta sólida e ponderada era: como ocupar tão grandes espaços vazios com tão grande potencial produtivo, de forma economicamente viável, para garantir a proteção da mata para as gerações futuras…?

E os dias eram sempre curtos!

O passo seguinte foi testar a viabilidade agrícola de algumas das lavouras que se evidenciaram ser mais atraentes: agropecuária, frutas cítricas e café.

A hipótese de uma plantação de fruta cítrica trouxe mais dúvidas. Essa era uma cultura predominante perto de nós: Cruz das Almas e Mangabeira tinham mais de 12.000 hectares de limão plantado por pequenos fazendeiros com até sete hectares cada. Os maiores, quatro no total, tinham áreas dedicadas a fruta cítrica de 60 a 80 hectares. Os mercados eram interessantes, em particular os do limão Tahiti, que crescia entre 3% a 7% ao ano nos últimos 15 anos, aliados a previsões feitas por organizações no exterior de que a demanda continuaria a crescer por muitos anos (ou explodido, se a Coca Cola tivesse introduzido na sua propaganda na Europa a adição de uma rodela de limão Tahiti – nunca aconteceu, mas o mercado continua crescendo entre 3% a 5% a cada ano nos últimos 11 anos).

Tudo parava à noite, depois do sol cair, às seis da tarde. Aí o time se reunia, Miriam cozinhava especiarias, o nosso gerente na época discutia vacas e bezerros, e a noite acabava às oito depois de uns jogos de baralho. Às 20 hs todo mundo dormia.

A cultura do café é bem estabelecida na região de Valença. Na maioria, colocados em áreas com pequenos declives semelhantes a algumas de nossas áreas, esses produtos são cultivados por numerosos pequenos agricultores, há uma distância de não mais que 22 km da fazenda de café mais próxima, isso nos deu a tranquilidade de saber que essa lavoura era bem adaptada às caraterísticas locais. Os números do negócio também eram (e são até hoje) interessantes: uma área de cinco hectares era suficiente para custear, em não mais de três anos, todos os investimentos em galpões e estruturas de beneficiamento e armazenagem para uma fazenda de 50 hectares. Fazia sentido.

Mas nós nãotínhamos na casa experiência nenhuma dessas lavouras, nem ninguém da região sabia como cuidar de um pomar de laranjas ou limas, pois por centenas de anos a cultura do lugar foi (e o é até hoje) da mandioca e, no melhor dos casos, do aipim.

Foi quando concebemos três linhas de ação:
Manter os produtos atuais e melhorá-los, e experimentar tudo que fosse, minimamente, interessante.
Iniciar a pecuária e o café como as culturas mais harmoniosas e ‘naturais’ para a nossa área
Aprofundar os nossos conhecimentos naquilo que parecia uma cultura de grande oportunidade: o limão Tahiti.

Nesse período, foi quando iniciamos a horta. Na Peralba Itália, numa área de quase um hectare, plantamos de tudo: alfaces, tomates, pepinos, rabanetes, feijão, etc.: 22 tipos de vegetais.

Não tínhamos luz, mas pelos menos teríamos uma mesa farta e saudável. E assim foi, a abundância que essa horta criou foi estonteante. Se o viver era bastante primitivo, a mesa era farta, variada e excitante.

A agropecuária também se revelou como a solução espontânea e natural para a utilização de áreas desmatadas. Era só recuperar o capim, ter um curral e um brechó, cercar os pastos, e um vaqueiro com um ajudante cuidariam de até 500/600 animais. Margens pequenas, mas investimento também pequeno. E a terra já era nossa. Fazia sentido também.

Duvidas básicas tinham de ser respondidas: será que nessa região, o clima, a terra, as pestes, a chuva, o sol, os transportes, a mão-de-obra, os mercados… eram favoráveis a tais produtos? Quais os fatores críticos para o sucesso de possíveis investimentos nessas culturas? Quais as oportunidades? Quais os desafios?
A solução que encontramos foi responder através de um experimento real: o pomar experimental de plantas cítricas.
Colocamos no chão mais de 1.200 mudas de todos os tipos de laranjas, mandarins, limões e limas produzidos no Brasil… e cuidamos delas por quase dois anos.
Deu certo.

E à medida que os resultados no campo revelavam a aptidão do ambiente para essas culturas, as nossa simulações e modelagens indicavam que existiam oportunidades de negócios para alguns desses produtos, a condição seria selecionarmos os ‘certos’.

Foram dois anos de confusão, mas excitantes e até os mais exilantes de nossas vidas.
E com isso, iniciarmos aquilo que depois se revelou ser a segunda fase da Peralba: o período de exploração da Peralba, 2006-2010